Um dia por vez - 22/10/09 - Mistérios

Goiânia, 22 de outubro de 2009, quinta-feira, 18:18 hs

Há cerca de uma hora recebi a notícia do falecimento do Fabiano, de 30 anos. Não sei descrever o meu sentimento no momento, mas sei o que sinto fisicamente: um grande aperto no coração, um nó na garganta e os meus olhos ficam um tanto marejados enquanto escrevo.

Talvez porque, apesar de primos de primeiro grau, tivemos algum contato quando éramos crianças, nas festas de Natal e depois nos perdemos por toda a vida. Sempre soube de uma notícia ou outra dele, geralmente coisas nada boas, mas me comovi muito quando soube que ele tinha se tornado um morador de rua em São Paulo.

Pouco tempo depois, nos reencontramos (ele me achou no Orkut) e ficamos amigos e confidentes há pouco mais de um ano, aproximação esta bastante virtual, já que nos falávamos enquanto ele acessava de alguma lan house do centro da cidade.

Muitas vezes, ele passava quase o dia todo falando comigo. Eu, do trabalho, dava sempre um jeitinho, pois não podia deixá-lo com seu estado físico debilitado, cabeça doente, seus devaneios e seus sentimentos mal resolvidos. Foi quando começamos a conversar e houve sim uma reaproximação, mesmo contra todos que diziam que eu corria perigo ao conversar com ele. Coitado! Alguém que me chamava de "prima linda", me achava divertida, me considerava sua psicóloga e dizia que me amava... não podia me fazer nenhum mal!

E hoje, com a notícia da sua morte, me dói pensar na tia Vânia, sozinha naquele mundo imenso e desconhecido que é o Rio de Janeiro pra ela, esperando papeladas para trazer, enfim, o seu filho pra perto dela definitivamente. Agora terá que mexer com tanta burocracia, tomar decisões do tipo: formol ou embalsamento?... Ela não conhece nada lá, nem tem ninguém ao menos pra dizer: “Força, Vânia. Deus está com você!” e abraçá-la com carinho. Acredito que é tudo que ela precisa nesse momento. Será que ela precisava passar por mais essa???

É, mas de uma coisa eu tenho certeza, a melhor pessoa pra estar lá nesse momento, com certeza está – Deus , porque só Ele pra trazer pra essa mulher tanta força. Principalmente num momento tão difícil para o coração de uma mãe. E, fiel como é, nunca saiu do lado dela, mesmo nos momentos em que se sentiu sozinha e desamparada. Com toda certeza, Deus a estava colocando no colo o tempo todo.

E, olhando o entardecer pela janela do escritório, lembrei que fiz uma pasta das conversas que tinha com o Fabiano pela internet, afinal eram tantas oscilações da sua cabeça (causadas pela bebida e pela droga) que muitas vezes me deixavam triste, outras vezes apavorada, e por precaução, resolvi guardar esse material.

Comecei a ler suas histórias, seus devaneios, suas ameaças, seus pedidos de desculpas, seu constante orgulho de ser um Fernandes, seu sonho de se livrar dos vícios... e resolvi então dizer um pouco do pouco que conheci desse homem com jeito de mal, que tantos danos causou a tantas pessoas, que tanto mal fez a ele mesmo, mas que tinha seu lado bom, suas aspirações de felicidade. Pra mim, esse homem tão pavoroso mais se parecia um menino acuado e perdido. Resolvi contar pra vocês, coisas que ele, talvez, não tenha tido tempo.

- Dia 15 de outubro de 2008, por Messenger: “Você tem muito contato com o tio Júlio? Você me faz um favor? Diz pra ele que ele foi como um pai pra mim.”

- Dia 23 de outubro de 2008, por e-mail: “A minha vida não tem sentido, mas fico pensando às vezes, olhando pro mar... Só sei de uma coisa: depois tudo dá certo. Conte sempre comigo.”

- Dia 24 de outubro de 2008, no orkut: “Só queria te falar pra você falar pra minha mãe que eu amo muito ela e meu pai, mas eu estou cansado...”

- Dia 30 de outubro de 2008, por e-mail: “Só sei que estou feliz. Hoje passou a euforia e as coisas erradas, mas se um dia quiser falar comigo, estou aqui.”

- Dia 09 de janeiro de 2009, por e-mail: “Você pra mim é significado de verdade, sinceridade, humildade e amor. É contagiante a forma como você vê as coisas da vida, o otimismo, isso me conforta e me deixa seguro. Esse fim de ano foi o mais especial da minha vida, sabe por quê? Porque na noite da passagem de ano estava reunido com a minha família em torno da mesa de jantar, coisa que há mais de 10 anos não fazia. Fiquei emocionado em ver o quanto minha família é importante pra mim. Esses momentos me fazem querer mais, querer ser melhor. Estou redescobrindo o amor e valores que são tão importantes pra mim.”

Fiquei pensando... qual seria o propósito dele ter me encontrado? Afinal, nada acontece por acaso. Tive até a pretensão de ajudá-lo a sair do submundo, mas ele se foi, sem conseguir se encontrar, sem conseguir achar o que tanto buscou. Então penso que Deus, em sua grandiosidade, me deu mais essa oportunidade de conhecer esse mundo mais de perto... quem sabe mostrar aos meus filhos essa dura realidade, para que eles nunca tomem esse caminho... Vai saber!

Mas hoje sou outra pessoa, depois de tê-lo “por perto”, porque não vejo mais um mendigo como um simples morador de rua. Sei que esse homem que aparentemente só tem seus maus trapilhos, tem uma bagagem grande de vida e sofrimento. Logo imagino como será a família dele, se ela o procura ou não, penso nas suas dificuldades diárias... Por que tantas pessoas fazem essa escolha? Seria por fraqueza? Por comodidade? Ou seria até por nobreza de espírito, pra buscar uma maior ou mais rápida evolução!? É... não sei! Mistérios da vida. Vida esta que ainda tem tanto a nos ensinar...