segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

A vida tem que continuar...


E lá ia ela...

Com o marido e o filho de um aninho de idade, malas prontas esperando o avião que a levaria pra outro mundo, outra realidade. Em seu peito um misto de emoções: coração cheio de coragem, repleto de esperanças e novas aspirações, ao mesmo tempo, a dor da saudade da família e dos amigos que estariam distantes, que já começava a incomodar, mesmo estando ainda ali, entre eles.

É um passo de tamanha importância largar tudo, todo o conforto que sempre teve, todos os vínculos de um passado pra poder alçar vôos mais altos, sair de seu país, atravessar os mares, buscar uma nova vida num lugar completamente desconhecido, com pessoas e culturas totalmente diferentes e sem saber falar a língua.

Isso é muito comum entre jovens, que se aventuram para aprenderem uma nova língua, conhecer novos continentes, mas que, passados alguns meses, voltam pra casa, com muita história pra contar, histórias cheias de alegrias. Esses sempre têm o apoio dos pais, tanto financeiro, como estímulo para ousar cada vez mais. Sabe-se, nesse caso, que é apenas uma aventura.

Ela não! Foi com a família. Com a cara e a coragem, abrindo mão do excelente padrão de vida que tinha em seu habitat para, quem sabe, esfregar chão na casa de quem não a conhece. Quebra de paradigmas e momento de transformação total em todos os campos da vida.

Nesse novo mundo, eles foram se arrumando. Ela aprendendo a língua, trabalhando de faxineira, cuidando de velhinhos ou fazendo qualquer outra coisa que lhe desse o sustento. O marido, da mesma forma. Trabalhava duro e arduamente sem parar, com o objetivo de melhorar de vida e promover cada vez mais conforto à sua família. O filho ia para uma creche e era cuidado por desconhecidos, mas era a única forma deles poderem se manter lá.

O tempo vai passando. As coisas vão se arrumando. Conhecem pessoas nas mesmas condições, o que dá o alento de saber que não são únicos nessas condições, que há alguém que já passou muitos percalços e que, agora, pode dar a mão ao novo desbravador. Novos amigos são feitos, moradia melhorada, aquisição de bons carros, o filho já domina a língua e já se sente um deles.

Ah, como seria bom se a família e os amigos queridos pudessem estar ali, assistindo tudo, vibrando e comemorando cada vitória, cada passo dado, cada suor derramado. Mas estão todos muito longe. Cada qual com sua vida, na correria de sempre mas, mesmo assim, torcendo muito para que ela consiga realizar todos os sonhos.

Tudo parece estar dando certo. Hora de aumentar a família. “Já que estamos aqui, vamos crescer e levar nossa vida pra frente e avante”. E, assim, as coisas vão caminhando nos trilhos.
Até que um dia, uma pausa se faz. A morte da mãe era algo tão distante que era impossível acreditar naquela ligação. O desespero toma conta do seu ser. O que fazer? Deixar tudo pra trás e voltar para ver sua mãezinha uma única vez, já no caixão? Insano. O racional pede pra ficar, pra se controlar, e a conforta dizendo: “o que você pôde fazer por ela, você fez em vida”. Pensando assim, até dá pra confortar.

No peito, o coração cheio de saudade e na mente muitas e muitas passagens de um passado feliz, como um filme que está guardado a sete chaves por ser muito precioso. Isso, ninguém pode tirar dela. Representa toda a sua formação, estrutura, a construção de sua pessoa. Mas o vazio se instala.

Vem a preocupação com o pai que ficou. Esse pai tão amigo, companheiro de todas as horas, sempre com um sorriso no rosto por detrás daquele bigode tão adorado, uma piadinha para qualquer situação, um senso crítico bastante aguçado. Ele agora está sozinho. Não tem mais a velha companheira de guerra ao seu lado, aquela que ele era o cuidador. Mas tem os outros filhos e os amigos que conquistou durante a vida. Ah, e tem o Fred, o cão que lhe faz tanta companhia.

Tudo parece tão normal. Vamos adiante. As coisas, apesar dos pesares, parecem estar dando certo. Hora de aumentar a família. “Já que estamos aqui, vamos crescer e levar nossa vida pra frente e avante”. E, assim, tudo vai caminhando nos trilhos. O pensamento positivo nas expectativas a motiva a continuar de cabeça erguida, sem olhar para trás, esquecendo os prejuízos que algumas atitudes trazem.

Até que, pouco tempo depois, outra ligação. “Não pode ser! O meu velho amigo? Assim, tão rápido? Eu nem tive tempo de me restabelecer e me inventam outra dessas?” É preciso então tirar forças de onde não se tem. Mais uma vez, ela está distante e sem condições de estar presente. Mais uma vez, um turbilhão de coisas lhe passam pela cabeça, inclusive a culpa de não ter vivido com ele os últimos momentos, compartilhado de suas últimas gargalhadas e até mesmo de sua bronca de cara fechada e voz grossa.

“Meu pai... meu tão querido pai...” Lágrimas é tudo o que resta a ela nesse momento. Gotas de dor, amor e saudade escorrem pelo rosto dela. Seu olhar é triste, longíquo.  Lamento por seus filhos não poderem conhecer aquela pessoa tão especial, tão amiga, tão alto astral. Junto com ele, morre também um tanto da vontade de voltar, pois o legado já foi deixado e nada mais há que se fazer. Não há mais como matar aquela saudade, dar aquele abraço, deitar naquele colo, conversar longas horas. Ele se foi.

Procurando uma razão, uma lógica, para confortar-se, ela entende que ele se foi para fazer companhia a ela, pois ela sempre precisou dos cuidados dele na Terra e há de precisar dos cuidados dele também lá no céu. Então, que assim seja, pois a vida dela tem que continuar...

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