sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Um jeito de prece


Com gentileza, abrando os meus ruídos. Diminuo o volume da tagarelice exaustiva dos pensamentos. Permito que a minha respiração se acalme até ficar macia. Sinto o meu coração com o contentamento de quem reencontra um amigo muito querido. Começo a visualizar um lugar bem bonito. Desenho nele árvores e plantas, utilizando diferentes combinações de cores e tamanhos para suas folhas, flores e frutos. Desenho rios, lagos, cachoeiras, e também montanhas e pedras de vários tons e formatos. Pinto o céu com o azul mais vivo que pulsa na minha memória e solto nele pássaros das mais variadas espécies.

Desenho uma bola dourada que vibra, imensa, dentro desse azul. Tão vívida, que só por desenhá-la o meu corpo estremece, num arrepio de ternura, pela energia que ela emana. Levo para esse lugar os animais dos quais consigo lembrar e os espalho em todos os cantos, livres e felizes. Retiro de uma caixa cheia de delicadezas o pote que contém a mistura dos sons e perfumes que se harmonizam, em frequência, com o que eu já criei. Abro a tampa do pote, jogo essa mistura mágica no ar e acendo tudo com os acordes e o cheiro da paz.

Entro nesse lugar. Caminho sem pressa e paro onde o meu coração me pede. Olho. Ouço. Sinto. Existe nele uma calma muito semelhante àquela que experimentei nos momentos de puro amor que já vivi. Há um sorriso sereno em meu rosto que se espalha em ondas por dentro, até que, de repente, eu me transformo nele: não sei mais onde ele acaba nem onde eu começo. Com os meus pés tocando, firmes, o chão, sinto o toque da brisa que acaricia meus cabelos. O calor do sol que pousa suavemente na minha pele e acende, acorda, colore tudo. Sinto que sou livre, saudável e harmônica, como cada pequeno detalhe que vibra ao meu redor. Sinto-me irmanada com cada um deles. É como se cada detalhe estivesse dentro de mim e eu estivesse dentro de cada um. Não há nada separado de nada. Há uma única e generosa pulsação de vida.

Reparo que há um grupo de pessoas vindo na minha direção. Há uma luz que canta em cada uma delas. Elas me amam e eu amo cada uma. Olho para mim e percebo que aquela luz também me envolve. Estamos ligadas por fios sutis desse lume. Elas chegam ao lugar onde me encontro. Uma delas se aproxima e para diante de mim, perto, muito perto. Olho atentamente para ela, meus olhos conseguem tocá-la sem nenhuma pressa. Respiramos o mesmo sentimento. Sinto o perfume singular que ela tem. Pronuncio o seu nome com toda ternura de que sou capaz. Agradeço à vida pelo nosso (re)encontro. Agradeço pelo o que ela me ensina sobre o amor. Declaro a minha intenção de continuar a compartilhar com ela essa jornada evolutiva. Depois, trocamos um abraço caloroso. É a vida que vibra em mim que abraça, nesse momento, a vida que vibra nela. Sinto esse abraço e deixo que ele fale no nosso silêncio. Afasto-me gentilmente, abençoando essa vida da forma que sei. Ela também abençoa a minha vida da forma que sabe e se afasta. Olho, então, para a pessoa que está atrás dela, à espera de um novo abraço. Repito o movimento. E também com a outra. E com a outra. E com a outra.

Depois de abraçar cada uma, espontaneamente começamos a brincar de roda. Uma maneira lúdica de lembrar que somos feitos, sobretudo, para a alegria. De mãos dadas, começamos a girar leve e gostoso nessa roda de amor. Parece até que flutuamos e sabe de uma coisa? De alguma forma, flutuamos mesmo. Essa alegria que compartilhamos é tão pura que desejamos estendê-la a outros seres. Ao mundo. Devolvê-la à vida. Envolvidos nessa atmosfera, experimentamos com mais facilidade a certeza de que dar e receber é a mesma coisa. Que é impossível que se consiga separar um movimento do outro quando eles passam pela festa que o coração celebra.

Sem que ninguém diga nada, paramos de girar e concentramos toda a atenção nessa luz que começa em cada um. Ela aumenta progressivamente, tamanho e intensidade. Centrados no coração, visualizamos esse perfume amoroso tocando todos os amados que já trocaram de frasco e não estão visíveis nessa roda. Tocando todos aqueles que ainda não vivem a graça de experimentar o amor. Tocando todos os que estão doentes, seja lá onde a doença os machuque. Tocando os que se sentem assustados, amargurados, solitários, descrentes e cansados, e que têm disfarçado a sua dor através dos vícios, das agressões, da apatia, de uma vida sem compromisso genuíno. Tocando os que sentem fome de pão ou de clareza. Os que sentem sede de água ou de vida. Os que sentem frio de agasalho ou de afeto. Os que estão envolvidos nos conflitos que matam tanta gente, seja lá por qual desculpa da ignorância.

Enviamos também esse perfume para todos aqueles que, de alguma maneira, acreditaram que foram feridos por nós, com ou sem razão. Para todos aqueles que acreditamos que nos feriram também. Para cada vida que está presa na culpa ou na falta de perdão. Para todos aqueles que, de variadas maneiras, ajudam a manter acesa a luz na Terra, nesse nosso tempo tão escuro. Enviamos esse perfume para todos os lugares que o seu toque alcança, até lá nos mais distantes e inimagináveis.

Desfeita a roda, nós nos despedimos. Cada um, abençoado e nutrido por esse instante de amor compartilhado, retorna para o seu próprio caminho. Antes de ir embora, olho mais uma vez para esse lugar que criei, para onde posso retornar sempre que quiser. Para descansar dos desafios cotidianos. Para me perfumar com essa paz. Para me banhar com essa luz. Podemos escolher o que queremos criar. Onde demoramos mais os nossos olhos. Com o que alimentamos o nosso coração. O que propagamos sutilmente no mundo.

Ver com amor também é um jeito de prece.

(Texto de Ana Jácomo)

Um comentário:

  1. Oi Taiza,está uma bela técnica holística de meditação,e dá resultado, se feita diariamente é capaz de reduzir significativamente a ansiedade e irritabilidade,e produzir uma gostosa sensação de paz interior e com o mundo em volta.Legal,gostei,há muito não via essas coisas publicadas,quem aprendeu,pode fazer e será recompensado...beijos...

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Status: Psicólogo

Ao psicólogo não é dado o martelo dos juízes, as prerrogativas dos promotores, nem o bisturi dos cirurgiões, somos pequenos clínicos ...