sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Não sei quantas almas tenho


Não sei quantas almas tenho. 
Cada momento mudei. 
Continuamente me estranho. 
Nunca me vi nem acabei. 
De tanto ser, só tenho alma. 
Quem tem alma não tem calma. 
Quem vê é só o que vê, 
Quem sente não é quem é, 
Atento ao que sou e vejo, 
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo 
É do que nasce e não meu. 
Sou minha própria paisagem; 
Assisto à minha passagem, 
Diverso, móbil e só, 
Não sei sentir-me onde estou. 
Por isso, alheio, vou lendo 
Como páginas, meu ser. 
O que sogue não prevendo, 
O que passou a esquecer. 
Noto à margem do que li 
O que julguei que senti. 
Releio e digo : "Fui eu ?" 
Deus sabe, porque o escreveu.

(Texto de Fernando Pessoa)

Um comentário:

  1. Aí a grande busca pelo sentido da vida e de exergar-se no contexto,é a vida de cada um.

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