quinta-feira, 27 de maio de 2010

Um dia por vez - 27/05/10 - Ela


Impossível passar por ela sem percebê-la e imediatamente se encantar completamente. Uma pessoa pequena, talvez nem 1,50 m de altura, mas que parecia ser a única coisa menor dentro de si, a estatura.

Chegou rapidamente brincando pelos corredores, cumprimentando todo mundo, fazendo brincadeiras com as pessoas e com a cadeira de rodas, na qual se locomovia com total alegria e “gingado”.

Sua mãe a acompanhava para aquele momento tão delicado aos olhos de tantos, mas não pra ela. Ela estava radiante por fazer a quimioterapia, tomar um outro soro que eu não sei pra que servia, mais alguns comprimidos e duas injeções.

Ela usava em sua cabeça um lenço muito bonito, amarrado com todo cuidado, de forma que ficou um verdadeiro charme. Sobre ele um chapéu branco com um laço, tudo muito elegante para tampar as penugens de sua cabeça que começam a renascer.

Como uma menina peralta, pulava da cadeira para a cama, toda faceira, pronta para tomar a medicação que seu oncologista havia lhe indicado.

Ao lado da cama dela, tinha uma companheira, também careca e em tratamento, com a qual trocava figurinhas. Os assuntos eram cirurgias já feitas e a fazer, quimioterapias, radioterapias, histórias de outras companheiras de jornada e, na televisão, outra história de superação – um menino de 18 anos que saiu da favela pra entregar pizza, ato que era costume do irmão de 20 anos, e quando voltou, toda a família (pai, mãe e irmão) estavam soterrados, pois o morro no qual morava havia desabado com as chuvas.

Mas ela era só alegria!!! Seu alto astral era contagiante. Seus braços inchados de tanto remédio na veia, mais pareciam daqueles homens halterofilistas. Mas tudo era motivo de brincadeiras e contos. Contou até de um dia que pegou um táxi e seus cabelos começaram a esvoaçar dentro do carro, o que assustou muito o taxista. Seria cômico se não fosse trágico! E ela gargalhava, sem dó nem piedade, não ligando para o lado ruim da coisa, tornando de fato tudo muito divertido.

Por um instante, senti um tremendo mal estar na alma. Uma sensação de ser esnobe por ter saúde, ter culpa por estar ali fazendo um tratamento para uma cirurgia estética, enquanto as outras buscavam num tratamento incerto um suspiro a mais de vida, alguns dias a mais juntos dos seus. Senti-me completamente pequena e fútil diante delas, como se me faltasse tanto ainda para poder ser gente de verdade.

Confesso que senti vergonha, não só por estar ali, mas por querer melhorar minha aparência, tirando excessos que me incomodam nas pernas, enquanto muitas delas ali mal tinham veias para tomarem seus medicamentos.

Pobre Taiza Renata! Durante tantos anos não me importei com a minha aparência, achando que isso era uma tremenda falta do que fazer, algo que pensei que fosse até uma desculpa para ter o corpo que eu tinha. Quando resolvi mudar de postura, entendendo que o corpo é nosso primeiro templo, mudei também alguns conceitos, até para buscar consistência para meus novos atos.

Mas, vamos voltar nela. Acho que faltou um detalhe muito importante, que descobri quando o enfermeiro foi preencher sua ficha: o nome. Se quiser saber o nome dela... ela, aquela pessoa que transpira a vida em tudo que faz e que fala, principalmente onde se assombra a morte... só pra confirmar que o acaso não existe e que a vida é muito sábia... seu nome é Vida Eterna de Queiroz!

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