sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

A mulher apaixonada


É um ser em estado de torcida do Flamengo.
Torce mais por ele (o amado) que pela Seleção.
Entra no campo, agride o juiz, salta o alambrado,
topa qualquer desafio. Só vê a vitória.
Vai pro exílio, larga carreira,
profissão, conveniência, partido político.
Só tem um caminho e uma verdade: o amor.
O resto virá depois. Sem ele, o tudo é nada.

É o mais paciente dos seres impacientes.
Sempre em estado de "estou pronta" leva anos
esperando com uma insuportável
e maravilhosa impaciência, exigência,
dedicação, entrega, cegueira,
vontade de quintais, praias e amarrações
que supõe perfeitas e definitivas.
Ninguém vive a provisoriedade
com tanto sentido de permanência.
Ninguém assina em branco
e antecipa tantos avais de afeto.
Ninguém erra com tanta convicção e decência.

É fera e santa, guerreira e gato,
desastrada e genial,
capaz de usar fitas; meias coloridas;
de enfrentar solidões, distâncias,
presenças e furacões pelo ser amado.
É o mais regular dos seres irregulares, porque
não julga, não pensa, não avalia: sente.
E que se danem o mundo, as regras,
as regulações, disposições, legislações
e tudo aquilo que a mãe ensinou!
Que o mundo exploda em flores!
Ser de grandezas só vive de migalhas.

Entende de lençóis iluminados
pela luz do corredor nas noites sem sono,
conhece ruídos diferentes de tique-taques
e entende de cantores e poetas
(escolhidos secretamente).
Interpreta as mensagens mais sutis do amado:
tom de voz, espaço entre uma e outra frase,
fomes dominicais, impressões vagas de cansaço,
tédio, alegria ou saudade expressas por fungados,
suspiros, desabafos, interjeições,
gestos, sons, olhares.

Mistura disposição com vontade.
Possibilidade com ânsia.
Dificuldade com não querer.
Em suma: é o mais incapaz dos capazes
do que há de melhor,
mais lindo, legítimo e verdadeiro.
Especialista em pretextos;
modista de oportunidades;
navegantes de esperanças;
tecelã de ternuras;
doceira de amarguras.
É furacão e chuvisco;
exaltação e placidez;
adivinhação e alienação;
sábia e patusca;
maravilha e susto;
mãe e mulher;
filha e bruxa;
santa e desastrada.

O único ser que topa qualquer parada
não é o herói,
o desesperado ou o valente:
é a MULHER APAIXONADA.

(Texto de Ártur da Távola)

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