sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Se puder sem medo - Oswaldo Montenegro



Deixa em cima desta mesa a foto que eu gostava
Pr'eu pensar que o teu sorriso envelheceu comigo...
Deixa eu ter a tua mão mais uma vez na minha
Pra que eu fotografe, assim, o meu verdadeiro abrigo.
Deixa a luz do quarto acesa, a porta entreaberta,
O lençol amarrotado, mesmo que vazio,
Deixa a toalha na mesa e a comida pronta...
Só na minha voz não mexa. Eu mesmo silencio!
Deixa o coração falar o que eu calei um dia...
Deixa a casa sem barulho, achando que ainda é cedo,
Deixa o nosso amor morrer sem graça e sem poesia,
Deixa tudo como está. E, se puder, sem medo.
Deixa tudo que lembrar... Eu finjo que esqueço.
Deixa... e quando não voltar, eu finjo que não importa.
Deixa eu ver se me recordo uma frase de efeito
Pra dizer te vendo ir fechando, atrás, a porta.
Deixa o que não for urgente, que eu ainda preciso...
Deixa o meu olhar doente pousado na mesa.
Deixa ali teu endereço... qualquer coisa, aviso.
Deixa o que fingiu levar, mas deixou, de surpresa!
Deixa eu chorar como nunca fui capaz contigo...
Deixa eu enfrentar a insônia como gente grande...
Deixa, ao menos uma vez, eu fingir que consigo.
Se o adeus demora, a dor no coração se expande!
Deixa o disco na vitrola pr'eu pensar que é festa,
Deixa a gaveta trancada pr'eu não ver tua ausência...
Deixa a minha insanidade... é tudo que me resta...
Deixa eu por à prova toda minha resistência!
Deixa eu confessar meu medo do claro e do escuro,
Deixa eu contar que era farsa minha voz tranqüila...
Deixa pendurada a calça de brim desbotado
Que, como esse nosso amor, ao menor vento... oscila.
Deixa eu sonhar que você não tem nenhuma pressa...
Deixa um último recado na casa vizinha.
Deixa de sofisma e vamos ao que interessa!
Deixa a dor que eu lhe causei... Agora é toda minha!
Deixa tudo que eu não disse, mas você sabia...
Deixa o que você calou e eu tanto precisava...
Deixa o que era inexistente, mas eu pensei que havia...
Deixa tudo o que eu pedia, mas pensei que dava.


As músicas tocam passagens da vida ou a forma como a interpretamos, e então canta os nossos sentimentos. Essa música de melodia perfeitamente melancólica, me soa como uma confissão. Geralmente, aqueles sentimentos que mais lutamos para esconder, são os que mais mostram a nossa essência e acabam por serem os mais aparentes, tornando nosso esforço em vão.

Passamos a vida traçando metas, movidos pela mente coletiva, aquela que insiste em nos impor que, só seremos verdadeiramente felizes um dia, se namorarmos, casarmos, tivermos o primeiro filho, depois o segundo... caminhando mecanicamente pela vida, obedecendo os costumes da nossa sociedade.

Nessa constante, acabamos por buscarmos ansiosamente por uma pessoa que seja a ideal, a mais perfeita e que preencha todos os requisitos necessários para nos fazer feliz. Quando imaginamos ter encontrado enfim, depositamos ali todo o nosso amor e as nossas expectativas de vida, na certeza de que a felicidade chegará em breve ou que mora exatamente ali.

Envolvidos por essa crença, nos dedicamos muito, amamos realmente, intensamente, imaginamos um futuro promissor, nos despimos de corpo (certamente) e de alma (aparentemente) e, sem dúvida, vivemos momentos que se eternizam em nós, mesmo que o relacionamento se acabe.

Quando acaba, é triste... porque queríamos mais, muito mais, ir mais longe, pra lá do arco-íris. O que fazer agora com todos os planos, todas as nossas carências? Teria sido tudo uma grande ilusão, nascida da minha vontade de ser feliz com alguém? Se aquela não era a pessoa, onde estará a “minha”? É... quem saberá as respostas?

De repente, a vida leva essa pessoa de nós. Pior! Muitas vezes temos a grande parcela de culpa por não ter dado certo. A vida leva essa pessoa sim, mas não consegue tirá-la do nosso passado, muito menos do nosso coração. De repente, podíamos ter lutado mais pela pessoa amada, podíamos ter nos despido de alma verdadeira e profundamente, sem medo do julgamento alheio, abrindo mão do orgulho, esse sentimento que parece preservar nossa dignidade, mas que, na verdade, só causa dores e revela nossa soberba e falta de humildade.

Se puder, sem medo. A letra dessa música me vêm como uma foto em sépia, de alguém que, de tão conformado ou preso em seus “pré-conceitos” ficou sozinho e tem o seu olhar triste, cansado e desiludido. Quem sabe debruçado sobre a mesa da cozinha vazia, na penumbra, segurando um copo de qualquer bebida que ele possa, ali, afogar suas mágoas ou apenas tê-la como única companheira. Alguém que acreditou tanto num relacionamento, mas que foi caindo numa rotina implacável, a qual pode ter sido a grande responsável pelo fim, porque graças a ela, tudo perdeu a cor, a graça e a poesia.

Ele olha à sua volta e tudo que lhe resta são as lembranças de um passado aparentemente feliz e a necessidade de preservar o que ainda tem valor, a sua integridade e a sua esperança de poder viver melhor na ausência dessa pessoa.

Ele parece não querer seguir. Apenas ficar ali, vivendo esses momentos eternizados, buscando forças para conseguir reagir diante de um sentimento tão grande como o amor – um gigante que, nesse momento, assombra alguém que se sente tão pequeno, quase invisível. E sem medo, ele confessa, mesmo sendo tarde, que aquela pessoa representava o abrigo tão esperado.

É quando lhe bate uma tristeza profunda, ele atesta que deixá-la partir sem nem ao menos pedir pra que ela ficasse, foi um grande erro e agora é o seu martírio. Agora, tudo que ele quer é reunir as forças que ainda lhe restam e tentar buscar novos caminhos, tentando disfarçar para si mesmo a importância que essa pessoa tem na sua vida. Ele sabe que, por mais que os anos passem e ele encontre um outro alguém, aquela pessoa vai estar sempre ali, bem guardada lá no fundinho do seu coração, mesmo que ninguém saiba.

Deixa... deixa a vida passar. Por mais que a dor insista em seu peito, ele sabe que o sol vai brilhar amanhã. E quando isso acontecer, quem sabe ele possa reconhecer que a magia da vida está nas verdades que não dizemos, no silêncio que não fazemos e nas loucuras que cometemos.

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